terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Gostei do que li:

Ótimo texto retirado do site: http://dharmalog.com/
“Contei meus anos
e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente
do que já vivi até agora.


Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas
percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.


Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.


Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário-geral do coral.
“As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.”
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…


Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade.


Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
o essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!”

~ Ricardo Gondim, “O Tempo que Foge” (do livro “Creio, Mas Tenho Dúvidas”)

O brasileiro Ricardo Gondim é teólogo e pastor evangélico, e essa é a primeira vez (que eu me lembre) de ter colocado alguma literatura de um pastor evangélico neste blog, embora do cânone cristão mais essencial já tenham passado alguns. Apesar da associação com o forte dogmatismo e com o fundamentalismo americano, o Evangelismo que Gondim profere parece ser outro, um mais franco, menos doutrinário e desprovido de interesses políticos — que o levou a dizer a frase já famosa “que Deus nos livre de um Brasil evangélico” (e que lhe rendeu o adjetivo de “herege da vez”) — que aceita a união gay e que condena noções de um Deus bíblico interventor. “É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana”, disse ele em uma entrevista à Carta Capital em 2011. De fato, não conheço Ricardo Gondim, mas este é um poema em que há realidade e sintonia com nossos tempos, e com nossa percepção de tempo nesses dias de escassez e pouca contemplação de si mesmo.

O texto acima é um desabafo poético e existencialista, de alguém que, como ele mesmo diz, “reflete muito sobre a banalidade da vida“; é uma visão pessoal de um brasileiro comum, mas também a síntese da voz de um líder religioso culto e destacado no Brasil.

PS: O texto acima é atribuido erroneamente ao escritor Rubem Alves (que é também um entusiasta da Teologia da Libertação) e também a Mário de Andrade (1893-1945), o saudoso escritor paulista e fundador do Modernismo brasileiro, em um equívoco duplo devido a um encurtamento do nome do filósofo angolano Mário Coelho Pinto de Andrade (1928-1990), cuja autoria também é atribuída. O próprio Gondim afirma ser o autor do texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário